A esperança é uma segunda feira com câibras (ebook)

Baixe o livro gratuitamente

No caminhar das narrativas encontrou pausas. Parou beirando à inércia, em seguida se distanciou para melhor observar os pontos do percurso e seus devires: o fluxo, os bordados, as linhas de travessia, os nós e as teias que daí se emaranhava. Foi preciso avançar; acelerar um pouco mais. Mas, o momento que melhor compreendeu o papel de um criador foi quando optou pelo silêncio; um silêncio escoando no tempo deixando ser atravessado pelo durée; o tempo sem horas, o tempo vivido sentado no meio-fio observando um cigarro de palha sendo queimado até o último suspiro – a palha se desfazendo de se ver palha, sem deixar de ser, necessariamente, palha; porém também já podendo ter se transformado em outra imagem. A isso, atribuiu a ideia de paciência e que jamais se confunda com esperança. Foi então que cochichou num cantinho seguro com a própria companhia: “a escuta é a parte tátil do escritor e eu sou um animal”.

Num livro que dedicou aos mais de cinco mil alunos por onde passou, ensinando e aprendendo mundo afora, Paulo Emílio Azevedo chega ao décimo oitavo livro publicado. Não satisfeito pela data de lançamento, que coincide com seus 25 anos de carreira (cujo marco data de 17 de agosto de 1995), ele construiu uma dinâmica entre trinta e dois discentes bastante representativos. Cada um deles recebeu um conto para comentar, ilustrar, performar e/ou fazer anotações de forma livre. O que se tem ao final de cada texto são partes dessas considerações que o autor chamou de Primeiro leitor. Desse modo, o inaugural se sintoniza com a ideia de conferir alto grau de reconhecimento à reação dessa leitura inicial e interpretação do aluno sobre a narrativa – a voz do aluno sempre lhe interessou. Por conta disso, o prefácio também recebeu tal tratamento, sendo assinado pelo faminto leitor Victor de Paula. Para Paulo Emílio, faz-se importante perscrutar sensações. Ele acredita no conhecimento como espaço do incompleto, onde esse incompleto é fruto, sobretudo, de interações e não apenas da solidão.

A obra está composta em trinta e um textos distribuídos em: prólogo, seguido de párodo, cinco episódios intitulados (“Texturas do devir”; “Conversas (a)fiadas no pilotis”; “Tons pastéis de durée”: Partículas de ágon” e “As crianças e outros mundos possíveis de eudaimonia”). Em especial neste último, dedicou-se cada conto à memória de Manoel de Barros – aquele que nunca se distanciou da infância. Entre os episódios, intercalam-se estásimos e, por fim, o epílogo como êxodo. Apesar do arquétipo do livro configurar formato aristotélico de tragédia grega, a influência das fábulas adota além da presença do ágon também uma aproximação com o durée em Bergson, o devir em Deleuze, a crueldade em Artaud e a busca por uma linguagem que lhe confira a identidade emiliana.

Nesse trânsito, as personagens interagem com o tênue espaço entre o bisturi testemunhado o primeiro choro e o corpo dando adeus na forma de pranto. Entre uma extremidade e outra pode acontecer a revelação de outra personagem, cujas características destoam da catatonia teatral/literária que ainda se faz tão contemplada. Ela, uma anti-heroína, decidiu entrar em ação com a fim de desmascarar uma vilã — sem escrúpulos mas, muito sedutora — que vem, segundo o autor, há tempos adestrando a nossa passividade. Mais que isso, corroborando no adiar do nascimento de outro tecido social, afetivo e estético no cotidiano.

A esperança é uma forma sutil de controle, biopoder que atua no ventre da insegurança à adoração de um retrato de mundo idealizado, fetichizado e prometido. Imagem ou souvenir recorrente ao apelo da compra dos serviços de um Deus inventado que prometera salvação desde que verificável plena obediência. A esperança é a irmã siamesa do medo, nutre-se da tristeza e promete um futuro – “cadê?” Ele nos cutuca. Foi, pois, preciso desmascará-la, enfrentá-la e quem sabe, matá-la. Mas, logo de primeira lança e não por última ordem como, em geral, se é acometido por tal deslumbre. Paulo nos convida à contramão: “Chega de cãibras, caminhemos com dignidade!”.

Baixe o livro gratuitamente

Categorias: ,